25.5.14

Filosofia de boteco

A filosofia de boteco é tão importante para a sociedade que deveria ser elevada à categoria de corrente filosófica, aquela que mistura romantismo e diletantismo com alcoolismo. Todos os outros ismos são bem-vindos, mas o filósofo de boteco é, antes de tudo, um idealista em estado de decantação.
Ele apura seus pensamentos numa sucessão de argumentações invariavelmente caóticas que dificilmente progridem ao ponto de alcançar uma conclusão satisfatória. Em outras palavras, ele pira, vai e às vezes não volta, mas faz escalas, pega descaminhos e prossegue a sua viagem à deriva e errante.
Esse é o método, por exelência, que percorre todo o seu discurso. Interessa ao filósofo de boteco, em todas as suas digressões, fazer-se ouvir pelos presentes, embebê-los em seu conhecimento para levá-los a concordar com ele e, imediatamente, desautorizá-los a frequentar esse estado de graça por muito tempo. A filosofia de boteco vive da discórdia, jamais do consenso, que só pode existir na forma humana de um abraço ou um beijo.
Nos dias que correm, no entanto, o filósofo de boteco enfrenta sérios problemas para exercer a sua atividade. E isso não tem a ver com problemas metafísicos. Na verdade, estão mais próximos dos problemas quânticos, ou seja, a quantidade deveras volumosa de pessoas que se acotovelam nos bares com seus telefones e selfies, nos "nivers" e encontros do pessoal da firma.
Mas não há de ser nada. O filósofo de boteco é um sobrevivente. A ele mesmo, a seus vícios e à sociedade, desde que ela não promova a extinção do balcão do bar ou da mesa de canto, onde ele pode apoiar-se em seus cotovelos e mirar o copo à sua frente como um objeto de adoração quase religiosa.

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